sábado, 3 de outubro de 2015

Resumo Serviços Públicos e concessão de serviços públicos.


                                   Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, serviço público é a atividade material que a lei atribuiu ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.
                                   Esse conceito, bastante didático, encampa concomitantemente os três critérios tradicionalmente utilizados para definição de serviços públicos, quais sejam o critério subjetivo, o critério material e o critério formal.
                                   Conforme o critério subjetivo, a definição de serviço pública leva em consideração o sujeito que o presta. No caso, serviço público seria toda a atividade prestada pelo Estado, nesta condição. Assim, a disponibilização de equipe de saúde em um posto de saúde público, bem como aulas ministradas por professores da rede pública em escolas mantidas pelo Poder Público constituiriam exemplos de serviços públicos. Esse critério isoladamente considerado é falho, na medida em que há diversas hipóteses em que particulares prestam serviços públicos recebendo a concessão do exercício de tais atividades diretamente dos entes públicos.
                                   Pelo critério material, define-se serviço público com base na atividade exercida. Desta feita, serviço público seria toda a atividade material que satisfaz as necessidades da coletividade, como ocorre, exemplificativamente, com o serviço de varrição de ruas e de coleta de lixo. O ponto falho deste enfoque reside na real definição de quais atividades efetivamente interessariam a toda a coletividade, posto que em diversas circunstâncias, a própria administração precisa agir restringindo direitos da coletividade, mas ainda assim prestando serviço público. É o que ocorre nas hipóteses de retenção de mercadorias indevidamente comercializadas.
                                   Por fim, pelo critério formal entende-se que serviço público é todo aquele prestado sob o regime jurídico de direito público, ou seja, balizado pelas normas cogentes e impositivas típicas do direito público, tais como a exigência de prévia licitação, formalização de contrato administrativo, possibilidade de fiscalização das atividades pelo Poder Público, dentre outras. A crítica reside no fato de que diversas atividades, embora essencialmente públicas, admitem forte influência do direito privado, o que se verifica, dentre outras, com as sociedades de econômica mista, que mesmo constituindo-se como parte da estrutura administrativa do Estado, observam regime jurídico de direito privado. Pode-se citar neste caso o Banco do Brasil, a Petrobrás e a CEMIG, dentre várias outras.
                                   Modernamente, tem-se que o entendimento acerca do que constitui serviço público ou não decorre da aplicação da legislação em vigor, o que se verifica a nível constitucional quando a lei maior define quais serviços devem ser prestados pela União, pelos Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, seja de forma exclusiva, seja de forma concorrente. Também cabe à legislação infraconstitucional importante papel na definição de que atividades devam ser consideradas serviços públicos propriamente ditos.
                                   Diversas são as classificações acerca da forma de prestação de serviços públicos, havendo robusta divergência doutrinária quando a certos aspectos. Contudo, de maneira geral, é possível perceber que os estudiosos do tema têm percepção aproximada quanto a seguinte classificação: 
- Serviços públicos propriamente ditos (próprios ou indelegáveis) x serviços de utilidade pública (impróprios ou delegáveis): os primeiros correspondem aos serviços essenciais à própria sobrevivência do Estado, tais como serviço de defesa nacional, serviço de polícia, controle de fronteiras, etc. Ante sua essencialidade e importância são prestados diretamente pelo Estado, não podendo ser delegados a terceiros. A segunda categoria se refere aos serviços úteis à sociedade (alguns autores afirmam que não são essenciais), que podem ser prestados pelo próprio poder público diretamente, ou por terceiros em colaboração com o estado, como ocorre com os serviços de transporte público e energia elétrica; 
- Serviços coletivos (gerais ou uti universe) x serviços singulares (individuais ou uti singuli): Serviços coletivos são aqueles prestados indistintamente à coletividade, sem usuários determinados ou determináveis, como os serviços de calçamento de ruas e tratamento de água e esgoto. Serviços singulares, por seu turno, são aqueles destinados a usuários determinados, sendo mensurável sua utilização pelos sujeitos individualmente, o que se verifica com os serviços de telefonia, água e energia elétrica domiciliares. 
                                   A primeira classificação está diretamente ligada à forma de prestação de serviços, identificando-se hipóteses em que somente o próprio poder público por meio de sua estrutura e de seus agentes poderá executar os serviços, enquanto em outros casos o serviço poderá ser prestado pelo próprio poder público ou por meio de terceiros em colaboração com a administração, sendo esta última hipótese o fundamento das impropriamente chamadas “privatizações” do Poder Público, que nada mais são do que a concessão ou a permissão conferida aos particulares para a prática de serviços públicos.
                                   Isto posto, os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo Poder Público, o que se observa a partir da própria estrutura administrativa do Estado, em que se verifica a administração direta – União, estados-membros, distrito federal e municípios – e a administração indireta – autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas – ou indiretamente, através de terceiros em cooperação com o Estado, por meio de delegação de serviços públicos, que são feitas sob a forma de concessão ou de permissão (Art. 175 CF).
                                   É fundamental que seja firmada uma premissa: em qualquer caso – prestação direta de serviços ou por meio de delegatários – a titularidade do serviço público é sempre do Poder Público, não se transferindo, portanto, sua titularidade aos terceiros, mas, tão somente a execução da atividade, que conservará seu caráter de serviço público, embora exercida por particulares ou empresas privadas.
                                   Por este fundamento a expressão “privatização” nos moldes em que é utilizada afigura-se incorreta. Etimologicamente, privatizar corresponderia a tornar privado aquilo que era público, perdendo definitivamente esta característica. Tecnicamente a melhor expressão para o fenômeno é “concessão de serviços públicos simples” ou “concessão de serviços públicos precedidas da execução de obra pública”, terminologia consagrada pelo Art. 2º da Lei 8.987/1995.
                                   Considera-se concessão de serviços a delegação da prestação de serviço público, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado. São exemplos típicos dessa modalidade de prestação de serviços públicos por particulares a concessão de transporte público urbano e a concessão de rodovias federais.
                                   Em ambos os exemplos é possível perceber que a execução o serviço será transferida ao particular que exercerá a atividade em seu nome, sendo remunerado mediante tarifa cobrada individualmente de cada usuário e não pelo poder público concedente, sendo esta tarifa o parâmetro tomado em consideração quando da realização da licitação. Ou seja, a empresa vencedora da concorrência será aquela que demonstrar condições de prestar o serviço concedido, oferecendo o menor valor aos usuários, sem se descurar da preservação do valor real da tarifa mediante regras de revisão previstas na lei, no edital ou no contrato.
                                   Feitas todas estas considerações, calha discorrer sobre questão prática: concessão de serviços públicos relativos à execução de obra pública em vias federais, cuja remuneração se dará mediante tarifa paga pelo usuário, ou, em outras palavras, privatização de rodovias federais e pagamento por meio de pedágio.
                                   O Estado tem o dever constitucional de prestar serviços públicos que viabilizem o deslocamento, o trânsito e o transporte no âmbito de todo o território nacional, sendo responsável pela construção, conservação e manutenção de vias federais, tarefa extremamente árdua (cara) haja vista as dimensões constitucionais no território nacional e a consequente extensão da malha viária.
                                   Desta feita a união, especificamente, faz publicar edital de concessão de rodovias federais, obviamente não para a alienação / privatização da rodovia, mas sim para a captação de empresas ou consórcios de empresas interessadas em realizarem obras públicas de conservação, sinalização, alargamento, recapeamento, dentre outras atividades correlatas. Como contrapartida pela prestação destes serviços, a empresa vitoriosa não será remunerada diretamente pelo poder público concedente, mas sim mediante o pagamento de tarifas pelos usuários do serviço – o famoso pedágio.
                                   Considerando os altos investimentos envolvidos, tais contratos normalmente tem duração bastante prolongada, chegando a vinte, vinte e cinco ou mesmo a trinta anos. Desta feita, o serviço público de titularidade do Estado é prestado por terceiro, que é remunerado pelos próprios usuários do serviço, que nada mais são do que os cidadãos que pagam impostos ao poder público exatamente para possibilitar a continuidade da prestação de serviços.
                                   Assim, sem pretensão de esgotar o tema e sem fugir dos propósitos deste texto – breve resumo do tema “serviços públicos” – diversas questões polêmicas decorrem do sistema de concessão de rodovias federais e remuneração mediante pagamento de tarifa (pedágio) pelos usuários: 
- É constitucional o sistema de pagamento de pedágio, tendo-se em vista que o cidadão paga impostos que, em tese, são hábeis à viabilização de serviços públicos, dentre os quais aqueles que possibilitem o deslocamento no âmbito do território nacional? Não haveria duplicidade de “pagamentos” atribuídos ao cidadão? 
- É constitucional a restrição ao direito de ir e vir no âmbito do território nacional, decorrente, por exemplo, da restrição a passagem de cidadãos que não disponham de recursos para pagamento do pedágio? 
- É possível restringir o acesso dos cidadãos dentro de um mesmo município por força de instalação de praça de pedágio dentro dos limites territoriais no mesmo município? 
- Como resolver o confronto entre o Art. 5º XV (Direito de ir e vir) e o Art. 150 V (possibilidade de restrição ao direito de ir e vir por meio de pedágios), ambos da Constituição Federal?
- Há relação de consumo entre os usuários do serviço e a concessionária ou entre aqueles e o Poder Público? 
- É possível ao usuário exigir a emissão de nota fiscal? 
- Tendo-se em vista que o cidadão paga tarifa para remunerar um serviço que deveria ser prestado pelo próprio Estado mediante recursos obtidos, dentre outras fontes, pela arrecadação de impostos, seria possível abater no imposto de renda a despesa anual com o pagamento de pedágios, a exemplo do que ocorre com as despesas com saúde e educação? 
                                   Estes são alguns possíveis pontos passíveis de questionamento, não se afastando a incidência de outros e não se negando que alguns possam contar com respostas relativamente simples.
                                   De toda forma, estas breves linhas objetivam, tão somente, tecer considerações gerais sobre serviços públicos, mencionando resumidamente algumas ideias básicas necessárias à compreensão do tema, introduzindo a compreensão sobre a prestação de serviços públicos por terceiros sob a forma de concessão e aventando alguns possíveis questionamentos acerca das consequências advindas deste modelo de atuação do poder público.         
 
Nota: Trata-se de material de apoio, meramente expositivo, sem conteúdo científico quanto a sua elaboração, destinando-se a auxiliar alunos do CESA – Centro de Estudos Superiores Aprendiz – no que tange a produção de artigos para o IV Congresso Jurídico do Aprendiz.                             

 

           

 

 
- http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=793

- http://www.conjur.com.br/1997-jul-29/nocoes_basicas_concessao_ou_permissao 

- http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Administrativo/Concess_o_e_Permiss_o.htm 

- http://www.portalresiduossolidos.com/permissao-e-concessao-de-servicos-publicos/  

- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm

- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm 

- http://www.triunfoconcebra.com.br/noticias/esclarecimento-sobre-emissao-de-nota-fiscal.aspx

-  http://jus.com.br/artigos/27715/a-inconstitucionalidade-da-cobranca-de-pedagio-por-concessionarias-de-servicos-públicos

- http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1873/1423

- http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-inconstitucionalidade-da-cobranca-de-pedagio-por-concessionarias-de-servicos-publicos,47744.html

- http://ainfluenciadaculturanalei.blogspot.com.br/2011/06/constitucionalidade-do-pedagio.html

- http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1605/Inconstitucionalidade-do-pedagio-como-forma-de-retorno-financeiro-dos-investimentos-realizados-com-a-construcao-de-obras-publicas

- http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11192&revista_caderno=26


Júlio César da Costa – OAB/MG 103.272
Advogado do Município de Barbacena
Professor Direito Processual Civil – CESA – Centro de Estudos Superiores Aprendiz
Membro ABCJ – Academia Barbacenense de Ciências Jurídicas – Ocupante da Cadeira nº 25
Vice-presidente APMB – Associação Procuradores do Município de Barbacena