Segundo
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, serviço público é a atividade material que a lei atribuiu
ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o
objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime
jurídico total ou parcialmente público.
Esse
conceito, bastante didático, encampa concomitantemente os três critérios
tradicionalmente utilizados para definição de serviços públicos, quais sejam o
critério subjetivo, o critério material e o critério formal.
Conforme
o critério subjetivo, a definição de serviço pública leva em consideração o
sujeito que o presta. No caso, serviço público seria toda a atividade prestada
pelo Estado, nesta condição. Assim, a disponibilização de equipe de saúde em um
posto de saúde público, bem como aulas ministradas por professores da rede
pública em escolas mantidas pelo Poder Público constituiriam exemplos de
serviços públicos. Esse critério isoladamente considerado é falho, na medida em
que há diversas hipóteses em que particulares prestam serviços públicos
recebendo a concessão do exercício de tais atividades diretamente dos entes
públicos.
Pelo
critério material, define-se serviço público com base na atividade exercida.
Desta feita, serviço público seria toda a atividade material que satisfaz as
necessidades da coletividade, como ocorre, exemplificativamente, com o serviço
de varrição de ruas e de coleta de lixo. O ponto falho deste enfoque reside na
real definição de quais atividades efetivamente interessariam a toda a
coletividade, posto que em diversas circunstâncias, a própria administração
precisa agir restringindo direitos da coletividade, mas ainda assim prestando
serviço público. É o que ocorre nas hipóteses de retenção de mercadorias
indevidamente comercializadas.
Por
fim, pelo critério formal entende-se que serviço público é todo aquele prestado
sob o regime jurídico de direito público, ou seja, balizado pelas normas
cogentes e impositivas típicas do direito público, tais como a exigência de
prévia licitação, formalização de contrato administrativo, possibilidade de
fiscalização das atividades pelo Poder Público, dentre outras. A crítica reside
no fato de que diversas atividades, embora essencialmente públicas, admitem
forte influência do direito privado, o que se verifica, dentre outras, com as
sociedades de econômica mista, que mesmo constituindo-se como parte da
estrutura administrativa do Estado, observam regime jurídico de direito
privado. Pode-se citar neste caso o Banco do Brasil, a Petrobrás e a CEMIG,
dentre várias outras.
Modernamente,
tem-se que o entendimento acerca do que constitui serviço público ou não decorre
da aplicação da legislação em vigor, o que se verifica a nível constitucional
quando a lei maior define quais serviços devem ser prestados pela União, pelos
Estados-membros, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, seja de forma
exclusiva, seja de forma concorrente. Também cabe à legislação
infraconstitucional importante papel na definição de que atividades devam ser
consideradas serviços públicos propriamente ditos.
Diversas
são as classificações acerca da forma de prestação de serviços públicos,
havendo robusta divergência doutrinária quando a certos aspectos. Contudo, de
maneira geral, é possível perceber que os estudiosos do tema têm percepção
aproximada quanto a seguinte classificação:
- Serviços públicos
propriamente ditos (próprios ou indelegáveis) x serviços de utilidade pública
(impróprios ou delegáveis): os primeiros correspondem aos serviços
essenciais à própria sobrevivência do Estado, tais como serviço de defesa
nacional, serviço de polícia, controle de fronteiras, etc. Ante sua
essencialidade e importância são prestados diretamente pelo Estado, não podendo
ser delegados a terceiros. A segunda categoria se refere aos serviços úteis à
sociedade (alguns autores afirmam que não são essenciais), que podem ser prestados
pelo próprio poder público diretamente, ou por terceiros em colaboração com o
estado, como ocorre com os serviços de transporte público e energia elétrica;
- Serviços
coletivos (gerais ou uti universe) x serviços singulares (individuais ou uti singuli):
Serviços coletivos são aqueles prestados indistintamente à coletividade, sem
usuários determinados ou determináveis, como os serviços de calçamento de ruas
e tratamento de água e esgoto. Serviços singulares, por seu turno, são aqueles
destinados a usuários determinados, sendo mensurável sua utilização pelos
sujeitos individualmente, o que se verifica com os serviços de telefonia, água
e energia elétrica domiciliares.
A
primeira classificação está diretamente ligada à forma de prestação de serviços,
identificando-se hipóteses em que somente o próprio poder público por meio de
sua estrutura e de seus agentes poderá executar os serviços, enquanto em outros
casos o serviço poderá ser prestado pelo próprio poder público ou por meio de
terceiros em colaboração com a administração, sendo esta última hipótese o
fundamento das impropriamente chamadas “privatizações” do Poder Público, que
nada mais são do que a concessão ou a permissão conferida aos particulares para
a prática de serviços públicos.
Isto
posto, os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo Poder Público,
o que se observa a partir da própria estrutura administrativa do Estado, em que
se verifica a administração direta – União, estados-membros, distrito federal e
municípios – e a administração indireta – autarquias, fundações públicas,
sociedades de economia mista e empresas públicas – ou indiretamente, através de
terceiros em cooperação com o Estado, por meio de delegação de serviços
públicos, que são feitas sob a forma de concessão ou de permissão (Art. 175 CF).
É
fundamental que seja firmada uma premissa: em qualquer caso – prestação direta
de serviços ou por meio de delegatários – a titularidade do serviço público é
sempre do Poder Público, não se transferindo, portanto, sua titularidade aos
terceiros, mas, tão somente a execução da atividade, que conservará seu caráter
de serviço público, embora exercida por particulares ou empresas privadas.
Por
este fundamento a expressão “privatização” nos moldes em que é utilizada
afigura-se incorreta. Etimologicamente, privatizar corresponderia a tornar
privado aquilo que era público, perdendo definitivamente esta característica.
Tecnicamente a melhor expressão para o fenômeno é “concessão de serviços públicos
simples” ou “concessão de serviços públicos precedidas da execução de obra
pública”, terminologia consagrada pelo Art. 2º da Lei 8.987/1995.
Considera-se
concessão de
serviços a delegação da prestação de
serviço público, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade
de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre
capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
São exemplos típicos dessa modalidade de prestação de serviços públicos por
particulares a concessão de transporte público urbano e a concessão de rodovias
federais.
Em
ambos os exemplos é possível perceber que a execução o serviço será transferida
ao particular que exercerá a atividade em seu nome, sendo remunerado mediante
tarifa cobrada individualmente de cada usuário e não pelo poder público
concedente, sendo esta tarifa o parâmetro tomado em consideração quando da
realização da licitação. Ou seja, a empresa vencedora da concorrência será
aquela que demonstrar condições de prestar o serviço concedido, oferecendo o
menor valor aos usuários, sem se descurar da preservação do valor real da
tarifa mediante regras de revisão previstas na lei, no edital ou no contrato.
Feitas
todas estas considerações, calha discorrer sobre questão prática: concessão de
serviços públicos relativos à execução de obra pública em vias federais, cuja
remuneração se dará mediante tarifa paga pelo usuário, ou, em outras palavras,
privatização de rodovias federais e pagamento por meio de pedágio.
O
Estado tem o dever constitucional de prestar serviços públicos que viabilizem o
deslocamento, o trânsito e o transporte no âmbito de todo o território
nacional, sendo responsável pela construção, conservação e manutenção de vias
federais, tarefa extremamente árdua (cara) haja vista as dimensões
constitucionais no território nacional e a consequente extensão da malha
viária.
Desta
feita a união, especificamente, faz publicar edital de concessão de rodovias
federais, obviamente não para a alienação / privatização da rodovia, mas sim
para a captação de empresas ou consórcios de empresas interessadas em
realizarem obras públicas de conservação, sinalização, alargamento,
recapeamento, dentre outras atividades correlatas. Como contrapartida pela
prestação destes serviços, a empresa vitoriosa não será remunerada diretamente
pelo poder público concedente, mas sim mediante o pagamento de tarifas pelos
usuários do serviço – o famoso pedágio.
Considerando
os altos investimentos envolvidos, tais contratos normalmente tem duração
bastante prolongada, chegando a vinte, vinte e cinco ou mesmo a trinta anos.
Desta feita, o serviço público de titularidade do Estado é prestado por
terceiro, que é remunerado pelos próprios usuários do serviço, que nada mais
são do que os cidadãos que pagam impostos ao poder público exatamente para
possibilitar a continuidade da prestação de serviços.
Assim,
sem pretensão de esgotar o tema e sem fugir dos propósitos deste texto – breve
resumo do tema “serviços públicos” – diversas questões polêmicas decorrem do
sistema de concessão de rodovias federais e remuneração mediante pagamento de
tarifa (pedágio) pelos usuários:
- É constitucional o
sistema de pagamento de pedágio, tendo-se em vista que o cidadão paga impostos
que, em tese, são hábeis à viabilização de serviços públicos, dentre os quais
aqueles que possibilitem o deslocamento no âmbito do território nacional? Não
haveria duplicidade de “pagamentos” atribuídos ao cidadão?
- É constitucional a
restrição ao direito de ir e vir no âmbito do território nacional, decorrente,
por exemplo, da restrição a passagem de cidadãos que não disponham de recursos
para pagamento do pedágio?
- É possível
restringir o acesso dos cidadãos dentro de um mesmo município por força de
instalação de praça de pedágio dentro dos limites territoriais no mesmo
município?
- Como resolver o confronto
entre o Art. 5º XV (Direito de ir e vir) e o Art. 150 V (possibilidade de restrição
ao direito de ir e vir por meio de pedágios), ambos da Constituição Federal?
- Há relação de
consumo entre os usuários do serviço e a concessionária ou entre aqueles e o
Poder Público?
- É possível ao usuário
exigir a emissão de nota fiscal?
- Tendo-se em vista
que o cidadão paga tarifa para remunerar um serviço que deveria ser prestado
pelo próprio Estado mediante recursos obtidos, dentre outras fontes, pela
arrecadação de impostos, seria possível abater no imposto de renda a despesa
anual com o pagamento de pedágios, a exemplo do que ocorre com as despesas com
saúde e educação?
Estes
são alguns possíveis pontos passíveis de questionamento, não se afastando a
incidência de outros e não se negando que alguns possam contar com respostas
relativamente simples.
De
toda forma, estas breves linhas objetivam, tão somente, tecer considerações
gerais sobre serviços públicos, mencionando resumidamente algumas ideias
básicas necessárias à compreensão do tema, introduzindo a compreensão sobre a
prestação de serviços públicos por terceiros sob a forma de concessão e
aventando alguns possíveis questionamentos acerca das consequências advindas
deste modelo de atuação do poder público.
- http://www.conjur.com.br/1997-jul-29/nocoes_basicas_concessao_ou_permissao
- http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Administrativo/Concess_o_e_Permiss_o.htm
- http://www.portalresiduossolidos.com/permissao-e-concessao-de-servicos-publicos/
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm
- http://www.triunfoconcebra.com.br/noticias/esclarecimento-sobre-emissao-de-nota-fiscal.aspx
- http://jus.com.br/artigos/27715/a-inconstitucionalidade-da-cobranca-de-pedagio-por-concessionarias-de-servicos-públicos
- http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1873/1423
- http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-inconstitucionalidade-da-cobranca-de-pedagio-por-concessionarias-de-servicos-publicos,47744.html
- http://ainfluenciadaculturanalei.blogspot.com.br/2011/06/constitucionalidade-do-pedagio.html
- http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1605/Inconstitucionalidade-do-pedagio-como-forma-de-retorno-financeiro-dos-investimentos-realizados-com-a-construcao-de-obras-publicas
- http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11192&revista_caderno=26
Júlio César da Costa – OAB/MG 103.272
Advogado do Município de Barbacena
Professor Direito Processual Civil – CESA – Centro de Estudos Superiores Aprendiz
Membro ABCJ – Academia Barbacenense de Ciências Jurídicas – Ocupante da Cadeira nº 25
Vice-presidente APMB – Associação Procuradores do Município de Barbacena