Juiz entende que greve decorrente de cobrança de
salários em atraso não pode acarretar corte de ponto relativo aos dias paralisados.
No dia 29 de abril do corrente ano, o sindicato dos Servidores
Públicos do Município de Barbacena deflagrou greve geral em decorrência de
reiterados atrasos de pagamentos pela municipalidade – em especial referentes a
novembro e décimo terceiro salário de 2012, um terço do décimo terceiro de 2014
e décimo terceiro de 2015 – bem como em decorrência do descumprimento da lei
municipal 4.747/2016, que concede reajuste salarial aos servidores, e vem sendo
descumprida pelo Executivo Municipal, contando com adesão de cerca de 80% (oitenta
por cento) dos servidores.
Conforme
se noticiou, a APMB – Associação dos Procuradores Municipais de Barbacena –
aderiu ao movimento paredista, entendendo que todos os requisitos para configuração
da legalidade da greve foram observados e, principalmente, por reconhecer que
as circunstancias exigem medidas extremas.
No
âmbito interno administrativo fora noticiado o corte do ponto de todos os
servidores que aderiram à paralização, tendo sido adotadas medidas para apuração
dos servidores envolvidos e identificação do período paralisado.
Visando
evitar o corte do ponto dos Advogados de Carreira do município, a APMB,
representada pelo competente advogado Dr. Philipe Forte Lima, OAB/MG 107.283,
ingressou com ação cominatória de obrigação de fazer cumulada com pedido de
liminar, para que o Município se abstenha de proceder ao desconto em folha de
pagamento dos advogados que aderiram à greve.
Segundo
Dr. Philipe, “sendo a greve proposta em decorrência de salários atrasados, não é
possível efetuar o corte do ponto dos dias paralisados, por não ser razoável
admitir que os servidores buscando o recebimento de pagamentos em atraso,
renunciem ao próprio pagamento durante a paralização”.
Referida
ação fora distribuída para a Primeira Vara Cível de Barbacena, via PJE –
Processo Judicial Eletrônico – sob o nº 5001798-41.2016.8.13.0056, tendo sido
deferida a liminar pretendida, impedindo-se que o Município de Barbacena efetue
o corte de ponto dos Advogados de Carreira sob pena de aplicação de multa de R$
100,00 (cem reais) ao dia, para cada corte realizado, relativamente a cada
servidor.
Destaque-se
que o Magistrado prolator da decisão reconheceu a legalidade da greve, haja
vista a prévia comunicação ao Prefeito Municipal com antecedência mínima de 72
(setenta e duas) horas, bem como a manutenção dos percentuais mínimos necessários
ao serviço, além de acolher o argumento da APMB quanto a impossibilidade de
corte de ponto quando o movimento paredista decorre de cobrança de salários
atrasados.
Segue
abaixo transcrição da decisão:
PODER
JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
COMARCA
DE BARBACENA
1ª
Vara Cível da Comarca de Barbacena
Rua
Belizário Pena, 456, Centro, BARBACENA - MG - CEP: 36200-012
PROCESSO
Nº 5001798-41.2016.8.13.0056
CLASSE:
PROCEDIMENTO COMUM (7)
ASSUNTO:
[Direito de Greve]
AUTOR:
APMB ASSOCIACAO DOS PROCURADORES MUNICIPAIS DE BARBACENA
RÉU:
MUNICIPIO DE BARBACENA
Vistos,
etc.
1.
Defiro o pedido de gratuidade de justiça formulado pela parte Autora.
2.
Trata-se de procedimento comum, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por ASSOCIAÇÃO
DOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO DE BARBACENA, qualificada nos autos, em
desfavor do MUNICÍPIO DE BARBACENA, também qualificado, nos termos da
petição inicial, que veio instruída por documentos, alegando, em resumo que:
Os
servidores públicos municipais estão com diversos vencimentos em atraso, tais
como, salário do mês de novembro de 2012; 13º salário de 2012, 1/3 (um terço)
do 13º salário de 2014 e o 13º salário de 2015. Além disso, os vencimentos dos
servidores estão defasados há vários anos, sem aumento ou nenhum reajuste.
Alegam
que foi aprovada lei municipal sancionada pelo Prefeito que reajustou os
vencimentos dos servidores em 11,67%, retroativos a 1º de janeiro de 2016, e
que tal lei possibilitou que o reajuste fosse parcelado em três vezes,
iniciando-se o pagamento referente ao mês de março de 2016 e recebido no mês de
abril de 2016. Determinou, ainda, a lei o parcelamento em três vezes do 13º
salário de 2015, com pagamento da primeira parcela em junho.
Aduz
que o executivo municipal descumpriu a lei e não aplicou a primeira parcela do
reajuste, alegando inexistência de suporte financeiro.
Assevera
que a categoria dos servidores, através de Assembleia Geral, deliberou pela greve,
sendo esta precedida pela necessária comunicação ao Chefe do Executivo.
Alega
que está sendo respeitado o percentual mínimo do serviço, em atendimento ao
princípio da continuidade do serviço público, já que os servidores
comissionários e contratados não aderiram à greve.
Requer
o deferimento da tutela de urgência requerida, e, ao final, seja julgado
procedente o pedido posto em Juízo.
Vieram-me
os autos conclusos.
Tudo
visto e examinado.
Expõe
o art. 300 do Código de Processo Civil que a tutela de urgência será concedida
quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sobre
o tema, destaco que o Supremo Tribunal Federal, nos Mandados de Injunção
nº670/ES, 708/DF e 712/PA, reconheceu a eficácia imediata do direito
constitucional de greve aos servidores públicos (art. 37, inciso VIII, da
Constituição), devendo, tal direito ser exercido conforme a Lei Federal n.º
7.783, até a sanção de lei que regulamente a matéria.
No
que tange aos descontos aos dias de falta em razão do movimento grevista, foi
reconhecida repercussão geral do tema pelo STF, através do recurso
representativo de controvérsia nº AI 853275 RG-RJ (reautuado, em 05.06.2012
para o RE nº 693.456):
“DIREITO
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS E DIREITO DE GREVE.
ANÁLISE DA LEGALIDADE DO ATO QUE DETERMINOU O DESCONTO DOS DIAS PARADOS,
EM RAZÃO DA ADESÃO A MOVIMENTO GREVISTA. DISCUSSÃO ACERCA DO ALCANCE DA NORMA
DO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MATÉRIA PASSÍVEL DE REPETIÇÃO
EM INÚMEROS PROCESSOS, A REPERCUTIR NA ESFERA DE INTERESSE DE MILHARES DE
PESSOAS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL.” (grifei)
Embora
não tenha havido a conclusão do mérito do mencionado recurso, o Plenário do STF
iniciou o julgamento sobre a matéria, em que o Ministro relator fixou as
seguintes premissas: “a) a deflagração de greve por servidor público civil
corresponde à suspensão do trabalho e, ainda que a greve não seja abusiva, como
regra geral, a remuneração dos dias de paralisação não deve ser paga; e b)
o desconto somente não se realizará se a greve tiver sido provocada por
atraso no pagamento aosservidores
públicos civis ou se houver outras circunstâncias excepcionais que
justifiquem o afastamento da premissa da suspensão da relação funcional ou de
trabalho, como aquelas em que o ente da Administração ou o empregador tenha
contribuído, mediante conduta recriminável, para que a greve ocorra ou em que
haja negociação sobre a compensação dos dias parados ou mesmo o parcelamento
dos descontos”
(grifei) (publicação no Informativo de Jurisprudência nº 797, de 4 de setembro
de 2015).
Tal
entendimento seguiu a jurisprudência da Corte nos julgamentos dos MI 670/ES; MI
708/DF e MI 712/PA.
Sendo
assim, tendo em vista que um dos motivos da paralisação dos servidores
municipais, defendidos pela associação autora, é o inadimplemento/atraso no
pagamento de verbas salariais, entendo que o caso se enquadra na hipótese de
exceção criada pelo entendimento jurisprudencial do STF, que prevê a
impossibilidade de corte dos dias não trabalhados nesse caso.
Pela
análise preliminar dos autos, verifico que houve a prévia comunicação do Chefe
do Executivo, e pela manifestação da parte, mantido o percentual necessário
para preservar a continuidade do servidor público.
O
perigo de demora encontra-se consubstanciado na natureza alimentar da verba e
na iminência do corte do pagamento dos dias não trabalhos.
Importante
frisar, ainda, ser possível negociação administrativa para compensação dos dias
não trabalhos, o que afasta a necessidade de qualquer tipo de corte.
Sendo
assim, defiro a tutela de urgência antecipatória para determinar que o
Município de Barbacena se abstenha de proceder descontos em folha de pagamento
dos advogados efetivos pelos dias não trabalhos em função da greve, sob pena de
multa de R$100,00 (cem reais) por desconto realizado, limitado a R$
20.000,00(vinte mil reais), sem prejuízo de majoração posterior, caso
necessário.
3.Considerando
o disposto no art. 334, §4º, I, CPC, havendo manifestação expressa da parte autora,
designo a audiência de tentativa de conciliação para o dia 21/09/2016, às
14:00 horas.
4.Intime(m)-se
a(s) parte(s) Autora(s)a comparecer (art. 334, § 3º e § 9º, CPC), sob
pena de multa de 2% do valor da causa (art. 334, § 8º, CPC).
5.Com
antecedência mínima de 20 dias, CITE(M)-SE a(s) parte(s) Requerida(s) e INTIME(M)-SE
de tutela de urgência deferida, bem como a comparecer(em) à audiência (art.
334, § 9º, CPC), sob pena de multa de 2% do valor da causa (art. 334, §
8º, CPC).
6.Advirta(m)-se
de que o prazo de 30dias para contestação fluirá independentemente
de intimação ou manifestação judicial superveniente a partir da data da
realização da audiência (art. 335, caput e inciso I, CPC), se não houver
acordo, bem como dos efeitos da não contestação(art. 344, CPC).
Advertindo-o,
ainda, que em caso de recurso, nos termos do artigo 6º, 378 e 1.018 do NCPC, o
réu deverá comunicar este juízo de sua interposição, para evitar a estabilidade
determinada no artigo 304, “caput”, do NCPC.
7. Caso sobrevenha manifestação de desinteresse
de ambas as partes, na forma e prazo do art. 334, § 4º, I e §§ 5º e 6º, cancele-se
incontinenti a audiência designada, cientifiquem-se as partes,
na pessoa dos advogados, para a exclusiva finalidade de se evitar
comparecimento desnecessário, e aguarde-se o término do prazo para
contestação, observando-se o disposto no art. 335, I, II e § 1º, CPC.
8.
Findo o prazo do art. 335, CPC, intime(m)-se a(s) parte(s) autora(s)para
se manifestar em 15 dias, para os fins isolada ou cumulativamente previstos nos
arts. 338, 348, 350 e 351, CPC.
Intime-se.
Cumpra-se.
Lélio
Erlon Alves Tolentino
Juiz
de Direito
BARBACENA,
13 de maio de 2016.