Nos últimos
tempos temos vivenciado o processo de impeachment
da Presidente da República, diversas são as fases deste processo, sendo
certo que uma delas, como ocorre em qualquer processo que possa impor uma
punição a alguém, é a fase de apresentação da Defesa da Presidente da
República.
No
caso do processo contra a Presidente Dilma Rousseff, a Defesa tem sido
apresentada pelo Sr. José Eduardo Cardozo, que atualmente ocupa o cargo de
Advogado-Geral da União, ou seja, é o Chefe da Advocacia Geral da União.
Nos
termos do art. 131 da Constituição Federal “a Advocacia-Geral da União é a
instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União,
judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que
dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo”[1].
Como
se pode depreender do dispositivo legal acima apresentado, é função da
Advocacia-Geral da União, entre outras, defender a UNIÃO, não havendo na
Constituição nenhuma autorização para que a AGU defenda a Presidente da
República ou qualquer outra autoridade.
A
Lei Orgânica da AGU (LC n. 73/1993) apresenta rol de competência do Órgão:
Art.
4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
I -
dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e
orientar-lhe a atuação;
II -
despachar com o Presidente da República;
III
- representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal;
IV -
defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a norma legal ou ato
normativo, objeto de impugnação;
V -
apresentar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República,
relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial;
VI -
desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da
União, nos termos da legislação vigente; (Regulamento)
VII
- assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica,
elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes;
VIII
- assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos
da Administração;
IX -
sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo
interesse público;
X -
fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos
normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da
Administração Federal;
XI -
unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das
leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da
Administração Federal;
XII
- editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência
iterativa dos Tribunais; (Vide Lei 9.469, 10/07/97)
XIII
- exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos
das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar;
XIV
- baixar o Regimento Interno da Advocacia-Geral da União;
XV -
proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares
promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão;
XVI
- homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral
da União;
XVII
- promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da
Advocacia-Geral da União;
XVIII
- editar e praticar os atos normativos ou não, inerentes a suas atribuições;
XIX
- propor, ao Presidente da República, as alterações a esta Lei Complementar;
Da
análise de TODOS os incisos acima apresentados não se encontra qualquer alusão
a autorização para que o Advogado-Geral da União defenda a Presidente da
República.
Entretanto
a Lei n. 9.028, de 12 de abril de 1995, em seu artigo 22 preceitua:
Art.
22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas
áreas de atuação, ficam autorizados a
representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República,
das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição,
bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da
República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza
especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive
promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público,
quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas
atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público,
especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das
Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar
habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que
trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida
Provisória nº 2.216-37, de 2001)
Tal
dispositivo, aparentemente, autoriza o Advogado-Geral da União a defender a
Presidente da República.
Como
se pode ver do dispositivo legal o mesmo originou-se de uma Medida Provisória,
e, portanto é inconstitucional. Vejamos:
O
art. 131 da CF já citado diz que Lei Complementar irá dispor sobre a
organização da AGU. Ou seja, as atribuições da Advocacia Geral da União e
consequentemente de seu Chefe serão estabelecidas por Lei Complementar. Tal
texto normativo é a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Portanto,
qualquer ampliação do rol de competência do AGU só poderá ocorrer através de
Lei Complementar, nunca através de Medida Provisória, visto que o art. 62, §1,
inciso III da Constituição Federal veda a elaboração de Medida Provisória
tratando de matéria reservada à Lei Complementar.
Deve-se
deixar claro que a União e a Presidente da República não se confundem, a
primeira é pessoa jurídica de direito público interno, ente integrante da República
Federativa do Brasil a quem cabe exercer a soberania nacional. Já a segunda é a
pessoa que ocupa a Presidência da República, que é um Órgão da União, sendo
responsável pelo exercício do Poder Executivo Federal.
Portanto
ao defender a Presidente da República no processo de impedimento o
Advogado-Geral a União está indo de encontro à Constituição Federal, pois atua
fora do âmbito de sua competência.
É
dever da AGU zelar pelos interesses da União, mesmo se tais interesses forem
contrários ao interesse pessoal da Presidente da República. O mesmo ocorre com
os Procuradores Estaduais e Municipais. Um Procurador do Estado nunca defenderá
o Governador, sempre o Estado que lhe remunera.
Pode
ser que o interesse da União seja o afastamento da Presidente (aqui
apresentando tal apontamento apenas didaticamente sem qualquer intenção
política), visto que é de interesse público do ente federado ver punido aquele
que lhe causa algum prejuízo.
Ao
tratar a coisa pública qualquer servidor público, seja ele concursado ou
ocupante de cargos de confiança, deve buscar o interesse público, nunca o
interesse do administrador.
No
caso do impeachment quem está sendo
julgado não é a União, ou mesmo o Poder Executivo, mas sim a pessoa da
Presidente da República, ou seja, a Senhora Dilma Rousseff, devendo o AGU
abster-se de realizar sua defesa, por tal ato estar afrontando a Constituição
Federal.
Procurador Efetivo do Município de Barbacena
OAB/MG 125.369
Obs.: Os artigos publicados neste blog não refletem necessariamente a posição unânime ou majoritária da Advocacia Geral do Município. Logo, cada texto reporta a opinião individual do membro responsável pelo mesmo, destinando-se exclusivamente às discussões teóricas ou acadêmicas, sem qualquer vinculação com as posturas institucionais da Advocacia Geral do Município.
Excelente trabalho, didático e esclarecedor!
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