terça-feira, 3 de maio de 2016

A impossibilidade de defesa da Presidente da República no processo de Impeachment pelo Advogado-Geral da União.


Nos últimos tempos temos vivenciado o processo de impeachment da Presidente da República, diversas são as fases deste processo, sendo certo que uma delas, como ocorre em qualquer processo que possa impor uma punição a alguém, é a fase de apresentação da Defesa da Presidente da República.

No caso do processo contra a Presidente Dilma Rousseff, a Defesa tem sido apresentada pelo Sr. José Eduardo Cardozo, que atualmente ocupa o cargo de Advogado-Geral da União, ou seja, é o Chefe da Advocacia Geral da União.

Nos termos do art. 131 da Constituição Federal “a Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”[1].

Como se pode depreender do dispositivo legal acima apresentado, é função da Advocacia-Geral da União, entre outras, defender a UNIÃO, não havendo na Constituição nenhuma autorização para que a AGU defenda a Presidente da República ou qualquer outra autoridade.

A Lei Orgânica da AGU (LC n. 73/1993) apresenta rol de competência do Órgão:

Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:


I - dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação;

II - despachar com o Presidente da República;

III - representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal;

IV - defender, nas ações diretas de inconstitucionalidade, a norma legal ou ato normativo, objeto de impugnação;

V - apresentar as informações a serem prestadas pelo Presidente da República, relativas a medidas impugnadoras de ato ou omissão presidencial;

VI - desistir, transigir, acordar e firmar compromisso nas ações de interesse da União, nos termos da legislação vigente; (Regulamento)

VII - assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes;

VIII - assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração;

IX - sugerir ao Presidente da República medidas de caráter jurídico reclamadas pelo interesse público;

X - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;

XI - unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;

XII - editar enunciados de súmula administrativa, resultantes de jurisprudência iterativa dos Tribunais; (Vide Lei 9.469, 10/07/97)

XIII - exercer orientação normativa e supervisão técnica quanto aos órgãos jurídicos das entidades a que alude o Capítulo IX do Título II desta Lei Complementar;

XIV - baixar o Regimento Interno da Advocacia-Geral da União;

XV - proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão;

XVI - homologar os concursos públicos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral da União;

XVII - promover a lotação e a distribuição dos Membros e servidores, no âmbito da Advocacia-Geral da União;

XVIII - editar e praticar os atos normativos ou não, inerentes a suas atribuições;

XIX - propor, ao Presidente da República, as alterações a esta Lei Complementar;


Da análise de TODOS os incisos acima apresentados não se encontra qualquer alusão a autorização para que o Advogado-Geral da União defenda a Presidente da República.

Entretanto a Lei n. 9.028, de 12 de abril de 1995, em seu artigo 22 preceitua:


Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 9.649, de 1998) (Vide Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

Tal dispositivo, aparentemente, autoriza o Advogado-Geral da União a defender a Presidente da República.

Como se pode ver do dispositivo legal o mesmo originou-se de uma Medida Provisória, e, portanto é inconstitucional. Vejamos:

O art. 131 da CF já citado diz que Lei Complementar irá dispor sobre a organização da AGU. Ou seja, as atribuições da Advocacia Geral da União e consequentemente de seu Chefe serão estabelecidas por Lei Complementar. Tal texto normativo é a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Portanto, qualquer ampliação do rol de competência do AGU só poderá ocorrer através de Lei Complementar, nunca através de Medida Provisória, visto que o art. 62, §1, inciso III da Constituição Federal veda a elaboração de Medida Provisória tratando de matéria reservada à Lei Complementar.

Deve-se deixar claro que a União e a Presidente da República não se confundem, a primeira é pessoa jurídica de direito público interno, ente integrante da República Federativa do Brasil a quem cabe exercer a soberania nacional. Já a segunda é a pessoa que ocupa a Presidência da República, que é um Órgão da União, sendo responsável pelo exercício do Poder Executivo Federal.

Portanto ao defender a Presidente da República no processo de impedimento o Advogado-Geral a União está indo de encontro à Constituição Federal, pois atua fora do âmbito de sua competência.

É dever da AGU zelar pelos interesses da União, mesmo se tais interesses forem contrários ao interesse pessoal da Presidente da República. O mesmo ocorre com os Procuradores Estaduais e Municipais. Um Procurador do Estado nunca defenderá o Governador, sempre o Estado que lhe remunera.

Pode ser que o interesse da União seja o afastamento da Presidente (aqui apresentando tal apontamento apenas didaticamente sem qualquer intenção política), visto que é de interesse público do ente federado ver punido aquele que lhe causa algum prejuízo.

Ao tratar a coisa pública qualquer servidor público, seja ele concursado ou ocupante de cargos de confiança, deve buscar o interesse público, nunca o interesse do administrador.

No caso do impeachment quem está sendo julgado não é a União, ou mesmo o Poder Executivo, mas sim a pessoa da Presidente da República, ou seja, a Senhora Dilma Rousseff, devendo o AGU abster-se de realizar sua defesa, por tal ato estar afrontando a Constituição Federal.

 
Antônio Valente Ferreira Neto
Procurador Efetivo do Município de Barbacena
OAB/MG 125.369 


 



 
 
 
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