Os Juizados Especiais da Fazenda Pública foram criados por força de Lei Federal nº 12.153/09, portanto aplica-se uniformemente a todos os entes federados e a todo o território brasileiro.
O artigo primeiro da referida lei, infra, esclarece que o Juizado Especial da Fazenda Pública integra o sistema dos Juizados Especiais, também chamado de microssistema dos Juizados Especiais pela doutrina especializada.
“Art. 1o Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.
Parágrafo único. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.”
A competência para o Juizado Especial é definida pelo artigo 2º, infra, da sua lei criadora, e determina em seu caput a competência em razão do valor, traz exceções à competência em seu parágrafo primeiro e em seu parágrafo quarto expressamente prevê a competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para o processamento das causas que se enquadrarem no rito especial previsto pela Lei 12.153/09.
“Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.
§ 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
§ 2o Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.
§ 4o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta.”
O artigo 22, infra, determina que os Juizados Especiais da Fazenda Pública serão instalados no prazo máximo de dois anos da vigência da lei, enquanto que o artigo 23, infra, autorizou a suspensão da entrada em vigor pelo período máximo de cinco anos da entrada em vigor da referida Lei.
“Art. 22. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública serão instalados no prazo de até 2 (dois) anos da vigência desta Lei, podendo haver o aproveitamento total ou parcial das estruturas das atuais Varas da Fazenda Pública.
Art. 23. Os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até 5 (cinco) anos, a partir da entrada em vigor desta Lei, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos.”
O artigo 28, infra, esclarece que a Lei entraria em vigor seis meses após a publicação que se deu em 22 de dezembro de 2009, logo, é bastante claro que o limite temporal máximo autorizado pela legislação federal para a suspensão da sus vigência plena foi atingido em 22 de junho de 2015.
“Art. 28. Esta Lei entra em vigor após decorridos 6 (seis) meses de sua publicação oficial.”
Cabe frisar que a LINDB prevê em seus artigos 1º, 2º e 6º, infra colacionados, que salvo disposição em contrário a lei entra em vigor 45 dias depois de oficialmente publicada ocasião em que passa a ter efeito imediato e geral.
“Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.”
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961)”
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)”
Como cessaram os efeitos da Resolução do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que limitava a vigência plena da Lei Federal nº 12.153/09 e tendo em vista o princípio constitucional processual da inafastabilidade da jurisdição, artigo 5º, XXXV, CF/88, infra, a interpretação pela incompetência do Juizado Especial de Barbacena para o conhecimento das ações relativas as causas nas quais figurem o Ente Municipal sede desta comarca implica em violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e, via de consequência, em negativa de prestação jurisdicional.
“Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”
Segundo Alexandre Câmara, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional tem duas acepções, numa primeira:
“(...) como a própria denominação indica, fica assegurado a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos o acesso aos órgãos judiciais, não podendo a lei vedar esse acesso.
Sob essa ótica, ressalte-se, o destinatário da norma contida no mencionado inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal é o legislador, o qual fica impedido de elaborar normas jurídicas que impeçam (ou restrinjam em demasia) o acesso aos órgãos do Judiciário. Embora esta não seja a única interpretação possível para o dispositivo, trata-se, sem dúvida, de importante exegese, com reflexos consideráveis na aplicação do princípio aqui estudado. Assim é que deve ser tida por inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquele que se considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que sinta tal posição lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que se sinta merecedor. (...)
Há porém, e além deste primeiro modo de se encarar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, uma segunda exegese possível, a qual, em conjunto com a anterior, é capaz de permitir uma mais ampla compreensão do instituto aqui examinado.
Assim é que, além de se ter no legislador um destinatário da norma contida no art. 5º XXXV, da CF/88, também o juiz deve ser entendido como destinatário daquele princípio.
Tal afirmação significa o seguinte: se a Constituição nos garante a todos o direito de acesso ao Judiciário, a tal direito deve corresponder - e efetivamente corresponde - um dever jurídico, o dever do Estado de tutelar as posições jurídicas de vantagem que estejam realmente sendo lesadas ou ameaçadas. Tal tutela a ser prestada pelo Estado, porém, não pode ser meramente formal, mas verdadeiramente capaz de assegurar efetividade ao direito material lesado ou ameaçado para o qual se pretende proteção. Em outras palavras, o direito que todos temos de ir a juízo pedir proteção para posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas corresponde o dever do Estado de prestar uma tutela jurisdicional adequada. (...)
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, pois, tem como corolário o direito, por ele assegurado, à tutela jurisdicional adequada, devendo ser considerada inconstitucional qualquer norma que impeça o Judiciário de tutelar de forma efetiva os direitos lesados ou ameaçados que a ele são levados em busca de proteção.”(CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. ed. 14. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.) (Grifo nosso)
O particular que busca a tutela jurisdicional tem justo direito de ver atendida a sua pretensão obtendo a prestação jurisdicional positiva para o caso que aduz em juízo, sobretudo quando esta pretensão é claramente subsumida no texto normativo de conteúdo processual.
Eventuais dúvidas na aplicação do direito processual devem ser dirimidas à luz da LINDB, mormente quanto aos artigos 3º e 4º, infra, e em antedimento aos princípios fundamentais elencados pela Carta Magna de 1988 que, sobretudo em direito processual, sepultou o formalismo processual em benefício da entrega da melhor tutela possível nos termos da lei material e processual, analisando-a seja pelo provimento ou desprovimento.
“Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
Reconhecendo a primazia do princípio da inafastabilidade da jurisdição, seguem os julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“EMENTA: APELAÇÃO - CONTRATO TEMPORÁRIO - RESCISÃO UNILATERAL - PERÍODO ELEITORAL - REINTEGRAÇÃO AO CARGO E PAGAMENTO DE VERBAS REMUNERATÓRIAS - INÉPCIA DA INICIAL - INOCORRÊNCIA.
- A petição inicial não será considerada inepta se da narrativa dos fatos decorre logicamente a conclusão. O pedido de reintegração ao cargo e pagamento de verbas remuneratórias é decorrência lógica da causa de pedir consistente na ilegalidade da rescisão contratual sem justa causa ocorrida nos três meses que antecedem o pleito eleitoral até a posse dos eleitos.
- A utilização de questões meritórias para embasar a inépcia da exordial viola os princípios do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição.” (TJMG - Apelação Cível 1.0686.15.010613-2/001, Relator(a): Des.(a) Wilson Benevides , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/02/2016, publicação da súmula em 01/03/2016)(Grifos nossos)
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA REVOGADA NA SENTENÇA - DECLARAÇÃO DE MISERABILIDADE - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE - AUSÊNCIA DE RAZÕES FUNDADAS QUE A DESMEREÇA - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR ESTADUAL - CARREIRA DE AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO - ADICIONAL POR LOCAL DE TRABALHO - IMPOSSIBILIDADE - EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I - Não havendo fundadas razões para desmerecer a presunção de veracidade garantida à declaração de miserabilidade firmada pelo jurisdicionado de próprio punho (art. 1º, Lei n.º 7.115/1983) para fins da Lei n.º 1.060/50, impõe-se, em respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CR/1988), conceder-lhe o benefício processual da assistência judiciária gratuita, pois havendo dúvida entre a possibilidade ou não da concessão do benefício, a orientação jurisprudencial é que esta dúvida seja resolvida a favor da pessoa que insiste na dificuldade financeira, para que se cumpra a finalidade constitucional de prestação, pelo Estado, da assistência jurídica integral. II - Ao servidor público efetivo ocupante do cargo de Agente de Segurança Penitenciário, que tem sua carreira organizada por lei específica, não é devido o pagamento do adicional por local de trabalho pleiteado por expressa vedação legal. Entendimento consolidado pelo Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 1.0686.13.007929-2/002 (DJ 24/7/2015). III - Fixados os honorários advocatícios em valor excessivo, impõe-se a redução da quantia arbitrada.” (TJMG - Apelação Cível 1.0686.13.017837-5/002, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2016, publicação da súmula em 22/02/2016)(Grifos nossos)
Dessa forma, a interpretação que aponta pela incompetência do Juizado Especial para as causas previstas no artigo 2º da Lei 12.153/09, nega vigência à Lei Federal que expressamente previu que os Juizados Especiais da Fazenda Pública integram o microssistema dos Juizados Especiais em seu artigo 1º, por argumentos procedimentais internos ao Tribunal, e, consequentemente, viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição, configurando restrição indevida ao direito de ação do particular de ter sua causa conhecida segundo um procedimento mais célere, que lhe é garantido por lei que lhe faculta a possibilidade de exercer o jus postulandi que, para muitos, facilita o acesso à jurisdição da parte hipossuficiente, muito embora, nos seja forçoso reconhecer que o advogado exerce essencial para o desenvolvimento da justiça brasileira, conforme artigo 133, CF/88.
Natália Baldessar Menezes
Procuradora do Município - Prov. Efetivo
OAB/MG - 117.019
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