O objetivo deste artigo é
tecer breves considerações acerca da judicialização do fornecimento de
medicamentos pelo Poder Público, nos âmbitos federal, estadual e municipal, sem
qualquer pretensão de apresentar verdades absolutas ou argumentos irrefutáveis
sobre o polêmico tema, mas, tão somente, possibilitar o aprofundamento do
debate sobre a questão.
Vale ainda ressaltar que se trata apenas de um
ponto de vista dentro de outros tantos possíveis, de modo que estas singelas
idéias não se constituem, sob qualquer forma, como qualquer crítica a atuação
de qualquer operador do direito, seja no campo da magistratura, da advocacia
pública ou privada, do Ministério Publico, ou qualquer outro.
É
crescente o número de ações judiciais buscando a efetivação do direito
constitucional à saúde, seja para a realização de tratamentos médicos,
procedimentos cirúrgicos, exames complementares ou visando o fornecimento de
medicamentos, abarrotando o Poder Judiciário e refletindo a incompetência da
Administração Pública em promover os serviços públicos de saúde.
Especificamente
interessa analisar a questão do fornecimento de medicamentos por meio de ações
judiciais, que encontram como principal fundamento a solidariedade conferida
pela Constituição Federal aos entes federativos no que tange às ações de saúde,
de modo que, em tese, o interessado poderia pleitear medicamentos de cada ente
separadamente ou de todos conjuntamente, ficando todos obrigados ao
fornecimento, independente daquele a quem tenha sido atribuído o dever de
fornecer determinado fármaco.
Com
base no argumento apresentado, as ações têm sido distribuídas, prioritariamente,
em desfavor dos municípios, ainda que o medicamento tenha sido acometido a
outro Ente Federativo, com base em um simplório argumento: o Município se
encontra mais próximo do cidadão, de maneira que seria mais fácil obter deste o
remédio esperado, tanto no que tange ao tempo despendido, quanto à facilidade
de condução processual.
Ocorre
que a própria Constituição Federal, ao versar sobre o dever comum de condução
das ações de saúde, atribui à lei a delimitação deste dever comum (Art. 196 e
197, CF), estabelecendo as diretrizes a serem observadas para a dispensação dos
medicamentos, nos limites da capacidade econômica de cada ente federativo e em
conformidade com a natureza das patologias que os medicamentos visam combater.
Assim, em linhas gerais,
cabe aos municípios fornecer os medicamentos da chamada Farmácia Básica, que
são aqueles decorrentes das patologias que acometem grandes contingentes
populacionais, tais como hipertensão arterial e diabetes, dentre outros de comum
incidência. Exatamente por serem de grande incidência, tais doenças necessitam
de atendimento mais aproximado da população, devendo contar com a atuação das
municipalidades.
À
União incumbe o fornecimento dos medicamentos necessários para o combate de
doenças que exigem, ante a sua incidência e complexidade, a adoção de programas
específicos de combate. São exemplos de medicamentos cuja competência seja da
União aqueles necessários para o tratamento de AIDS, câncer, hanseníase,
tuberculose, dentre outros.
Não
há distribuição direta por parte da União, mas sim o financiamento necessário
para aquisição destes medicamentos, que serão distribuídos pelos Municípios e
pelas Secretarias Estaduais de Saúde.
Por
fim, no que tange aos estados membros, tem-se que sua competência para
dispensação de medicamentos é residual, ou seja, aos estados incumbe fornecer
os fármacos que não foram atribuídos ao Município ou à União, remanescendo
assim o dever de conceder os medicamentos chamados excepcionais, que são aqueles
aplicáveis às doenças menos comuns, que não atinjam grandes contingentes e que,
em função do seu valor global de tratamento, acarretam elevados custos.
Percebe-se
que o sistema é extremamente racional na medida em que distribui a
responsabilidade a cada ente federativo conforme sua disponibilidade
financeira, atribuindo despesas mais elevadas à União e de menor vulto, mas não
menos importância, aos municípios.
O
Poder Judiciário, fundamentando suas decisões na solidariedade entre os entes
federativos, acaba por agredir o pacto federativo, também consagrado
constitucionalmente na medida em que impõe aos municípios ônus maior do que sua
possibilidade orçamentária permite suportar, já que a carência de recursos no
âmbito dos municípios em todo o país é patente, sendo reduzido o número de
entes municipais capazes de suportar as freqüentes ordens judiciais.
É
certo que as ações de saúde devem prevalecer sobre as demais ações do poder
público, sacrificando-se algumas condutas em detrimento da atenção à saúde, em
situações excepcionais. Todavia, não se pode exigir que os Municípios comprometam
todos os seus parcos recursos exclusivamente atendendo as demandas de saúde ou
as seguidas ordens judiciais neste sentido, sob pena de comprometimento de
todos os demais serviços e ações fundamentais aos cidadãos, tais como educação,
segurança, transporte, limpeza pública, dentre outros tantos.
Importante
frisar que não se está a defender a conduta de municípios que não cumprem seu
núcleo mínimo de atribuições no que tange ao fornecimento de medicamentos, mas
sim a apregoar que todos os operadores de direito envolvidos com ações desta
natureza dirijam suas pretensões ao Ente Federativo ao qual compete a
competência específica para o fornecimento deste ou daquele fármaco, não
imputando assim, aos municípios, despesas que não foram orçamentariamente
previstas e que comprometem a condução de suas demais atribuições.
Desta
feita, os operadores do direito devem buscar a efetivação do direito
constitucional à saúde direcionando as ações contra o ente federativo que
possui atribuição específica – o que não afastaria a solidariedade entre os
entes – mas reservaria sua invocação para os casos realmente extremos.
Da mesma forma o Poder
Judiciário não pode adotar, na generalidade dos casos, soluções contrárias ao
pacto federativo e às reservas orçamentárias – também constitucionalmente
insculpidos – mas somente naquelas situações em que se atribuir o fornecimento
de medicamentos a ente diverso daquele a quem competiria se mostrar
imprescindível.
Júlio
César da Costa – OAB/MG 103.272
Advogado
do Município de Barbacena
Professor Direito Processual Civil - CESA
– Centro de Estudos Superiores Aprendiz
Membro
ABCJ – Academia Barbacenense de Ciências Jurídicas
Vice-presidente
APMB – Associação Procuradores do Município de Barbacena